A transição de comando dos negócios costuma ser tabu em muitas famílias brasileiras. Nos empreendimentos rurais, o cenário não é diferente. Em meio à rotina intensa das fazendas, com atividades e problemas que não cessam, esse assunto importante costuma ser esquecido ou mesmo negligenciado pelos líderes do negócio (ainda em sua maioria, homens).
Justamente por isso, a comissão especial Aprosoja-GO Mulher tem no seu escopo de trabalho a discussão e a capacitação de esposas, filhas e irmãs de produtores sobre este tema. A consultora empresarial Maria Teresa Roscoe afirma que as mulheres são mais sensíveis a essa necessidade por serem mais observadoras e preocupadas com o futuro da família – tanto que, das demandas que chegam até ela, 80% vêm de mulheres. Diante disso, a comissão feminina da Aprosoja-GO escolheu abordar na Semana da Mulher a sucessão familiar, ou melhor, transição familiar.
“Sucessão não é palavra para quem está no jardim de infância, sim para pós-graduado”, brincou Maria Teresa, durante palestra online para integrantes da Aprosoja-GO Mulher realizada nesta semana. “É uma palavra que assusta, principalmente para quem está começando”, afirmou ela, que também é professora na Fundação Dom Cabral (FDC).
O primeiro passo para tratar deste tema, segundo a especialista, é modificar o vocabulário, já que a palavra sucessão “dá uma ideia de finitude [da vida] e ninguém quer pensar ou falar nisso”. Já o termo “transição” remete a um processo, justamente como deve ser a troca de comando nos negócios que se pretendem perpetuar entre as gerações.
Relações familiares
Proteger a empresa para o futuro é mandatório, mas também não se pode abrir mão das relações familiares e sentimentos. É muito importante ter o olhar sobre o negócio e a família. Maria Teresa destaca três pontos que merecem atenção: o alinhamento de expectativas entre sócios para evitar situações embaraçosas, afinal são pessoas diferentes, com desejos, percepções, necessidades, expectativas e prioridades diversas; o alinhamento com o mercado (por exemplo, em relação aos canais de colocação dos produtos, formatos de relacionamento com os clientes, uso de tecnologias), pois uma vez que “se perde o bonde” é muito difícil recuperar; e o desenvolvimento dos sócios para saberem lidar com os desafios da sociedade.
A consultora ressaltou a importância de ajudar os herdeiros, que em algum momento se tornarão sócios, a “encontrar seu lugar no mundo”, não necessariamente dentro da empresa. “Não se assuste se um filho quiser fazer algo nada a ver com o negócio da família”, alertou às mulheres que participaram da live.
Segundo ela, a família precisa apoiar os filhos a serem bons profissionais no que escolherem. “Se a pessoa é boa em uma área, consegue transferir seus aprendizados para a empresa familiar depois, seja à frente da gestão ou não. Uma experiência fora ajuda muito, têm muitas empresas que são ótimas escolas”, explicou.
Quando e como começar
Dar oportunidades de desenvolver vínculo afetivo com o negócio familiar é essencial. Levar as crianças para o campo, mostrar como a fazenda funciona e fazer um filme da história da família são exemplos simples de como incentivar os sucessores a seguir na empresa familiar e os ajudam a enfrentar momentos de dificuldades. “Estimular a vivência é muito importante. Esse vínculo com o negócio dá musculatura para continuar, não é só banco de escola que dá musculatura. A conexão com os valores de origem é muito importante e faz diferença lá na frente”, ressaltou Maria Teresa.
Depois de criar a cultura de integrar, ela recomenda introduzir os sucessores no negócio a partir da idade que eles demonstrarem curiosidade sobre a empresa. “Começou a ter interesse, pode incluir antes mesmo dos 18 anos. Isso dá senso de responsabilidade”, afirmou. A consultora aconselha colocar irmãos para atuarem em setores diferentes da empresa, principalmente se houver conflitos.
Maria Teresa explicou ainda que é necessário “dosar a pílula da transição” de acordo com a configuração e o tamanho do negócio e a idade das pessoas envolvidas – quando chega perto dos 50 a 60 anos é importante prestar mais atenção ao processo. Ela sugere preparar a sucessão sem alardear. “Vá por etapas, sem inventar moda desnecessária. Não dá pra fazer correndo, nem arrastado demais porque senão as pessoas se cansam.”
Contratar uma assessoria especializada é importante no processo de transição familiar. Um profissional experiente vai contribuir na elaboração de um protocolo da família proprietária, documento fundamental para alinhar as expectativas, os direitos e os deveres dos sócios. Assim, com regras bem definidas, vai ser mais fácil manter tanto a família unida como a longevidade do empreendimento rural.